Eu e meu companheiro Belmiro estamos na Rússia, um país que invadiu a Ucrânia, e a guerra está presente em todos os momentos da viagem.
Dessa forma, saímos da Geórgia e entramos na Rússia pela Ossétia do Norte, passando pelas republicas autônomas Tchechênia, Daguestão, Kalmikya, depois pelo Oblast de Astrakhan.
Agora estamos no Oblast de Volgogrado, antiga Stalingrado, palco da batalha mais importante da história da humanidade.
Esse lugar marcou o início da derrocada da Alemanha nazista na II Guerra Mundial.
Em uma viagem de bike, como pedalamos devagar e sempre, cerca de 8 horas por dia, vemos tudo detalhadamente.
Dessa forma, entramos em cidades e pequenas vilas, tomamos contato com dezenas de pessoas quando paramos para descansar ou tomar um café.
Assim, há sempre interações, bate papo, pois eles ficam muito curiosos sobre a presença inédita de um brasileiro viajando de bicicleta na companhia de um cachorro.

Fotos: Luís Fernando Prestes
Eles jamais presenciaram qualquer uma dessas situações!
Quanto tem alguém que fala inglês, essa pessoa passa a traduzir para o russo.
Portanto, quando não tem, usamos o google tradutor.
E o papo flui, eles têm muita curiosidade sobre mim, a viagem e o Brasil!
E o Brasil, por não sancionar a Rússia na guerra, continua gozando de grande prestígio.
Eles deixam claro que gostam dos brasileiros
Porém, tem a guerra… por duas vezes presenciamos enterros militares de soldados.
Em uma das situações, o clima era de comoção, com a viúva chorando e gritando descontroladamente.
Por conta das diferenças culturais, em um desses enterros, as pessoas presentes no velório, feito às pressas ao lado da rodovia, beberam uma grande quantidade – colossal – de bebidas alcoólicas.
Elas viravam doses e doses de vodka e whisky, enquanto batiam papo e cumprimentavam a família do morto.
Fora isso, sempre se fala da guerra.
Interrogatório
Na imigração entre a Geórgia e a Rússia, fui interrogado sobre o que eu pretendia fazer no país, porque havia visitado Kosovo.
Perguntaram sobre a viagem em si, sobre o meu papel de professor no Brasil, entre outras.
Na última pergunta do interrogatório, depois de explicar que eu estava dando a volta ao mundo de bicicleta, o agente de fronteira me perguntou como estava a imagem da Rússia entre os brasileiros.
Respondi, claro, que era muito negativa por causa da invasão da Ucrânia.
Depois disso ele devolveu meu passaporte à imigração para ser carimbado e me desejou uma boa viagem!
Da mesma forma, as marcas da guerra também são visíveis em pessoas com sequelas e ferimentos de combate.
São jovens andando de muletas, pessoas com bandagens no rosto…
Vi um frentista, em um posto de gasolina, com vários ferimentos, mancando, mas trabalhando também.
É visível, além disso, um grande número de jovens adolescentes trabalhando, quando deveriam estar apenas estudando, provavelmente por falta de mão de obra masculina, que está lutando na Ucrânia.
Na Rep. Autônoma da Chechênia, na semana passada, pedi um lanche em um restaurante, que foi preparado por duas adolescentes muito jovens, com talvez 11 e 14 anos de idade.
Fui atendido também por meninas e meninos em outros restaurantes e cafés. Marcas da guerra!
No entanto, apesar de tudo isso, os russos têm nos tratado com muita gentileza.
Em mais de 10 situações, ganhei presentes na estrada, desde comida, água, sorvete, doces e balas.
Recebi até quatro doações em dinheiro, que totalizaram, em rublos, o equivalente a quase R$200,00.
Da mesma forma, ontem um russo me pagou a hospedagem em um hotel e a janta.
Por mais de uma vez, escutei a admiração deles pela coragem em pedalar pelo mundo de bike.
E isso é muito estimulante para quem viaja de bicicleta, pois os perrengues são mais ou menos constantes… o cansaço… hehehe.
Budismo
Na Kalmikya (área budista da Rússia, é isso mesmo que você leu, o país tem uma área com maioria budista da pop), fomos muito, mas muito bem recebidos.
Dormimos uma noite na casa de hóspedes do templo budista, recebemos janta e muitos mimos!
Nos últimos 10 dias estamos pedalando pelas estepes russas, na prática um bioma que varia entre o semidesértico e o desértico.
Sem uma única árvore para descansar na sombra, clima muito seco e com temperaturas por volta dos 30C.
A paisagem das estepes é muito, mas muito monótona, só quebrada quando passamos por alguma vila ou cidade.
Tudo isso recheado com forte vento contrário (entre 30 e 40 km/h) E é um tipo de pedal que esgota a gente, nos deixa exaustos…
Assim, quando penso em todo esse contexto, reflito bastante sobre as pessoas.
Não imaginava que teria tanto em comum com a população russa.
Jamais imaginei toda essa gentileza… e custa pensar que há 700km de onde estamos.
Neste exato momento que estou escrevendo este texto, há gente sofrendo, morrendo, matando… um misto de sofrimento, tristeza, agressividade e ódio…
Por essa razão, estamos em paz, com pessoas gentis e pacíficas, mas na guerra!
Luís Fernando Prestes, professor de História , e seu cão Belmiro, viajam pelo mundo de bicicleta conhecendo lugares e culturas.