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Opiniões

15 DE JULHO DE 2025

Poemas de exaltação à mulher

Adelto Gonçalves

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I

Uma série de poemas dedicados a mulheres que abrilhantaram o cenário das letras no Brasil e no mundo é o que o leitor vai encontrar no novo livro da poeta e jornalista Marize Castro (1962), Maroceano (Natal, Una Editora, 2024).

A exemplo do que fez em livros anteriores, a autora procura mostrar as lições que recebeu ao ler as obras de poetas que marcaram época na história da literatura universal, como a britânica Virginia Woolf (1882-1941), a norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979), a norte-americana Laura Riding (1901-1999), a russa Marina Tsvetaeva (1892-1941), a portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), a brasileira Cecília Meireles (1901-1964) e a ucraniana de origem judaica naturalizada brasileira Clarice Lispector (1920-1977), transformando-as em peças literárias que se destacam por um estilo fluído e adornadas por passagens extremamente líricas e suaves.

Antes de tudo, porém, é preciso que se diga que Marize Castro faz parte de uma geração que renovou a tradição poética do Rio Grande do Norte, ao lado de Socorro Trindad (1950-2024) e Diva Cunha (1947), tornando-se uma respeitável expressão da literatura nacional, apontada que foi pela professora e ensaísta Nelly Novaes Coelho (1922-2017), no Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras (2002), como “uma das fortes vozes femininas da poesia brasileira contemporânea”.

E o fez num cenário em que, até há poucos anos, havia uma barreira disfarçada para os sentimentos femininos na poesia, já que, a exemplo de outros setores, na literatura sempre predominou uma visão machista.

Como escreve no posfácio deste livro a poeta Moama Marques (1983), professora de Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade Federal da Paraíba, o verso rebelde de Marize Castro se manifesta logo no poema inaugural da obra em que diz que “a aterrissagem no feroz é a última esperança para um mundo justo, um mundo não desigual”.

Com isso, parece querer dizer aos homens que já vai longe o tempo em que as mulheres “conheciam o seu lugar”, lema que um senador imerso nas trevas da ignorância quis recuperar com sua fala sexista durante recente entrevero com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na Câmara Alta.

Eis o poema:
Observo-me entre homens / e mulheres-livros / – nossos segredos não se quebraram / com as ondas / Um mundo justo, senhores / Um mundo não desigual, senhoras / Anjos no centro do mundo acasalam-se / – após cada gozo, choram e dormem / Não esqueço: a aterrissagem no feroz / é a última esperança / Neste santuário – em segredo – / finco meu estandarte / De constelação em constelação / recuso-me ao banal / – para dizer o originário / esta escritura / renasce

Em outras palavras: são poemas em que a autora dialoga em versos com outras mulheres, “mulheres-humanas, mulheres-bruxas, mulheres-feras, mulheres-escritoras, com as quais convive e comunga, porque todas têm algo a lhe ensinar”, como observa Moama Marques.

Aliás, em seu livro anterior, Jorro (Natal, Una Editora, 2020), Marize Castro já fazia referência em versos a duas mulheres que foram vítimas do arbítrio do poder oficial e do poder paralelo.

Uma delas é a poeta, pintora e fotógrafa chinesa Liu Xia (1960), impedida de representar o marido, o escritor e professor Liu Xiaobo (1955-2017), na premiação em Oslo do Prêmio Nobel da Paz de 2010, já que ele cumpria pena de prisão, acusado que fora de “perturbar a ordem pública” por criticar o Partido Comunista.

A outra era a socióloga brasileira Marielle Franco (1979-2018), vereadora no Rio de Janeiro, que defendia os direitos humanos e denunciara vários casos de abuso de autoridade por policiais e milicianos contra moradores de comunidades carentes.

E que, em 2018, foi assassinada a tiros por inimigos políticos, sem que, até hoje, os mandantes do crime tenham sido condenados.

II

Adepta do verso livre, Marize Castro destaca-se por sua linguagem fluente, rica e variada, com poemas em que os títulos saem da primeira frase, como se vê nestes versos dedicados a Virginia Woolf:
Aqui estou: tão antiga quanto você / – zelando segredos herdados de homens / e mulheres. Neste claustro, encontro-me / descalça. Ajoelhada agradeço por nossas / perdas. Aprendi lendo você: a vida, se não for / abismo, será gelo. Mesmo estilhaçada, preciso / de espelhos e de crianças ensolaradas que / construam outros mundos. Necessito de um / lugar onde elfos subam em árvores / e a inocência seja o primeiro / e único planeta.

O modo delicado como passa para o papel suas vivências e sua maneira de olhar o mundo também surpreendem nas duas pequenas crônicas que fazem parte deste livro, bem como neste poema escrito com o pensamento em Cecília Meireles:

Em silêncio, entrarei em sua biblioteca / – somente seu coração me verá / De minha espessa solidão / – calçada com meus pontiagudos sapatos – / entregarei a você o poema puro: / o ato original

III

Marize Castro, nascida em Natal, é jornalista, formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Tem mestrado em Educação e doutorado (2015) em Estudos da Linguagem pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN, com a tese “Areia sob os pés da alma: uma leitura da vida e da obra de Oswaldo Lamartine de Faria (1919-2007)”, que deixou vasta bibliografia acerca do cotidiano no sertão nordestino.

Tem textos publicados em jornais de todo o País, como o Caderno 2 de O Estado de S. Paulo e o extinto Jornal do Brasil, e em revistas de cultura, como Exu, de Salvador, Nicolau, de Curitiba, Revista do Escritor Brasileiro, de Brasília, e Poesia Sempre, do Rio de Janeiro.

Seus versos já foram vertidos para o inglês pelo professor e crítico literário norte-americano Steven White e publicados nas revistas The American Voice e International Poetry Review, dos Estados Unidos.

De 1988 a 1990, foi editora do jornal cultural O Galo, da Fundação José Augusto, de Natal e, nos anos 90, editou Odisseia, revista multidisciplinar do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN, da qual foi a idealizadora e primeira editora.

É autora ainda de Marrons Crepons Marfins (1984), seu livro de estreia; Rito (1993); Poço. Festim. Mosaico (1996); Esperado Ouro (2005); Lábios-Espelho (2009); Habitar teu nome (2011) e A Mesma Fome (2016).

Edita seus livros por sua própria editora, a Una, que define “como deliciosa e desamparada viagem”.

Ganhou os Prêmio de Poesia FJA (1983) e o Prêmio Othoniel Menezes (1998).

Grande difusora da literatura potiguar, é também autora de O Silencioso Exercício de Semear Bibliotecas (2011), sobre o trabalho da jornalista, poeta e bibliotecária Zila Mamede (1928-1985), e de Além do Nome (2008), livro que reúne entrevistas com os mais expressivos nomes da literatura no Rio Grande do Norte.
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Maroceano, de Marize Castro. Natal, Editora Una, 110 págs., R$ 20,00, 2020. E-mail: unanatal@gmail.com

 

 


Adelto Gonçalves é jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP). É autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp)/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-Latas da Madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. Escreveu prefácio para o livro Kenneth Maxwell on Global Trends (Robbin Laird, editor, 2024), publicado na Inglaterra. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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