Durante décadas, o mundo girou ao redor de um centro bem definido.
Nações ocidentais ditavam a linguagem do poder, enquanto os demais países buscavam se encaixar na lógica do dólar, dos tratados e das sanções.
Havia uma coreografia precisa entre Washington, Londres, Paris e Berlim e quase todos tentavam imitar seus passos.
Tudo mudou no século XXI.
A guerra na Ucrânia escancarou as fissuras da ordem internacional. O retorno de Trump colocou novamente em xeque alianças tradicionais.
A China reforçou seu protagonismo e iniciou uma corrida tecnológica implacável.
Instituições globais, por sua vez, mostraram-se frágeis e lentas diante de um mundo que exige respostas ágeis.
Hoje, as disputas globais já não acontecem tanto por controle territorial, mas por domínio de dados.
Estamos imersos em um campo de batalha invisível, onde a inteligência artificial, o 5G e os algoritmos valem mais do que tanques e aviões.
Esse novo ambiente exige uma leitura renovada das dinâmicas internacionais. É nesse tabuleiro de códigos e conexões que a Índia começa a se destacar silenciosamente, quase despercebida.
Sem alarde, ela vem se organizando com lógica e disciplina de poder emergente. Tornou-se a nação mais populosa do planeta.
Investiu apostando em infraestrutura digital robusta, fomentou ecossistemas de inovação por meio de startups e redes públicas de educação.
Os resultados começaram a aparecer. Hoje, já é a quinta maior economia do mundo e caminha para ocupar o segundo lugar até 2075, com poder de compra que pode superar o do Ocidente antes disso, de acordo com projeções da Harvard Business Review.
Esse protagonismo não se apoia apenas em números. O real destaque da Índia está na sua capacidade de conviver e integrar o passado ao futuro.
Suas megacidades abrigam templos centenários, trens lotados, centros de inovação, cabos de fibra óptica e vacas sagradas transitando ao lado de QR codes.
Esse caos organizado é o sinal de que há força na complexidade.
Ao invés de insistir em modelos prontos, linearidade de crescimento, modernização sem questionamentos, imposição de uma única narrativa, a Índia prova que o futuro é híbrido.
Ele navega entre o temporal e o atemporal, o orgânico e o digital. Oferece, portanto, mais do que números: propõe uma forma distinta de potência, aquela que abraça as contradições do mundo real.
Esse olhar aponta diretamente para nós, brasileiros.
Temos dimensão, biomas e um povo criativo por excelência. Poderíamos ocupar esse lugar híbrido de protagonismo , mas ainda vacilamos entre posições exportadoras e retóricas vazias. Ainda trocamos visão estratégica por cliques e polarizações.
Ainda inexplicavelmente insistimos em uma diplomacia míope, pautada por interesses momentâneos em vez de consistência e autonomia.
Se queremos fazer parte da próxima ordem mundial, precisamos abandonar uma postura ancorada no passado.
Tempos de neutralidade reativa passaram. Precisamos propor. Transformar agendas em projetos, narrativas em propósito.
Isso não é discurso vazio: é política, é diplomacia, é economia.
Nearshoring, friendshoring, investimentos em tecnologia e educação, posicionamento constante e coerente no terreno internacional.
É apostar em uma diplomacia civil, aquela que entende que a potência não se constrói apenas com IA ou agronegócio, mas com história, cultura, ética e visão de longo prazo.
O mundo já começou a virar. Só será protagonista quem tiver força para abraçar o fluxo, quem tiver coragem de propor pontes em vez de erguer muros, quem souber escutar mais do que gritar.
Alessandro Lopes é arquiteto e urbanista, mestre em Direito Ambiental e professor universitário. Pesquisador em Cidades Criativas e Sustentáveis, atua como assessor técnico em políticas de zeladoria urbana. É também comentarista em rádio e TV e palestrante nas áreas de urbanismo e inovação
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