Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado em 10 de dezembro (no Brasil, celebra-se também em 12 de agosto o Dia Nacional dos Direitos Humanos), costuma ser marcado por discursos grandiosos sobre liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana.
E com razão: os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes; dizem respeito às crianças, às pessoas idosas, às pessoas com deficiência, à população negra, aos povos indígenas, às pessoas LGBTQIA+, às pessoas em situação de rua, e até mesmo à proteção do meio ambiente, porque sem planeta não há humanidade possível.
Mas no Brasil de 2025, há uma pergunta incômoda que insiste em atravessar qualquer comemoração: o que celebram as mulheres que ainda precisam lutar diariamente para permanecerem vivas?
Os números recentes não deixam dúvidas. Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública mostraram um aumento de 26% no número de tentativas de feminicídio em 2024.
De janeiro a setembro de 2025, mais de 2,7 mil mulheres sofreram esse tipo de crime. Outras 1.075 morreram vítimas de feminicídio.
A violência não está apenas nas páginas policiais: ela está dentro de casa.
A maioria esmagadora das agressões é cometida por parceiros ou ex-parceiros, em espaços que deveriam ser os mais seguros.
Nas ruas, a viatura pode passar e tudo parecer tranquilo; contudo, como se diz entre profissionais de segurança, “as viaturas não patrulham os corredores da casa”.
A violação de direitos humanos mora nas cozinhas, nas salas e nos quartos brasileiros.
No último dia 6 de dezembro, quase passou despercebido o Dia de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres.
Ele marca o massacre de Montreal, em 1989, quando um atirador invadiu uma escola, separou homens e mulheres e executou 14 jovens simplesmente por serem mulheres.
Desse horror nasceu o movimento do Laço Branco, convocando homens à responsabilidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948, sob liderança de Eleanor Roosevelt, cujo protagonismo reforça que os direitos humanos também são obra de mulheres pela vida das mulheres.
O documento consagrou, no artigo 3º, o direito universal à vida e à segurança.
O Brasil transformou esse compromisso em normas fundamentais, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio.
Mas leis não bastam diante de um machismo estrutural que segue naturalizando o terror íntimo das mulheres.
Como alertava Jean Cruet, em “A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis”, o Direito perde sentido se não transforma a realidade.
Nenhuma legislação é suficiente enquanto viver mulher for um risco, e enquanto o país tolerar esse risco.
Enquanto parte dos homens continuar tratando violência doméstica como “problema de casal”, estupro como “mal-entendido”, ciúme como “prova de amor” e denúncias como “exagero”, os direitos humanos seguirão sendo apenas papel moldurado na parede.
E quando o Estado, em suas instituições de segurança, saúde e Justiça, falha em proteger, cada omissão também mata.
Direitos humanos não são abstrações. São políticas públicas que salvam vidas: acolhimento às vítimas, atendimento psicológico, delegacias especializadas que funcionem e redes de proteção ativas.
Sobretudo, são os homens reconhecendo que a violência contra as mulheres não é problema das mulheres, é problema dos homens!
Porque a pergunta essencial não é “o que as mulheres precisam fazer para não morrer?”, mas: o que os homens precisam deixar de fazer, e começar a fazer, para que elas possam viver?
A resposta exige mudança cultural, política e jurídica. E exige urgência. 10 de dezembro não é celebração automática: é cobrança global.
A DUDH nasceu para impedir que a humanidade repetisse seus piores horrores. Hoje, esse horror está no feminicídio cotidiano, que vitima sobretudo mulheres negras, pobres e periféricas.
Direitos humanos só fazem sentido quando protegem, primeiro, quem mais morre. E no Brasil, as mulheres continuam morrendo.
Chega de transformar dor em rotina. Chega de achar normal o que deveria ser inaceitável.
Homens precisam se levantar. O Estado precisa funcionar.
A sociedade precisa parar de tolerar.
Que um dia possamos celebrar os direitos humanos porque as mulheres estão vivas, e não apenas sobrevivendo.

Frederico Afonso Izidoro é doutorando em Liderança Educacional. Mestre em Direito Internacional. Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. – Pós graduado em Direitos Humanos, Gestão da Segurança e Ordem Pública. Advogado licenciado, membro permanente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP. Professor de Direitos Humanos. Escritor jurídico.
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