Até 2050, cerca de 70% da população global viverá em áreas urbanas.
A expansão das cidades tende a agravar os impactos da mudança do clima e afetar ainda mais as populações que vivem em regiões vulneráveis, como encostas, margens de rios e zonas costeiras.
Ondas de calor, escassez de água, enchentes, perda de infraestrutura, serviços públicos sobrecarregados e aumento das desigualdades sociais serão desafios crescentes para os centros urbanos em um mundo cada vez mais quente.
É preciso repensar o modelo de desenvolvimento. A urbanização desordenada, que ignora a lógica dos ecossistemas naturais, compromete não apenas a qualidade de vida, mas também os serviços ambientais essenciais à sobrevivência humana.
Cidades impermeabilizadas, com áreas verdes escassas e insensíveis à degradação de ecossistemas naturais costeiros como manguezais, restingas e recifes de corais vêm enfrentando dificuldades crescentes para lidar com os extremos climáticos.
É nesse cenário que ganham força as Soluções Baseadas na Natureza (SBN) — abordagem que alia conservação, restauração ecológica e tecnologias inovadoras baseadas em infraestrutura verde para enfrentar os desafios urbanos.
Além de economicamente vantajosas em relação às obras de engenharia convencional, essas soluções representam uma oportunidade eficaz de transformar o modelo de desenvolvimento urbano no Brasil.
Recuperar áreas degradadas, ampliar a arborização, restaurar nascentes e mananciais, conectar parques e expandir áreas verdes em territórios periféricos significa agir simultaneamente por justiça climática, saúde coletiva, biodiversidade e segurança hídrica.
Mas as SBN vão além: podem complementar sistemas de drenagem urbana com o uso de jardins de chuva e praças úmidas e até contribuir no tratamento de efluentes, como no caso de jardins filtrantes, tecnologia que faz uso da natureza para devolver água limpa aos sistemas naturais.
A adaptação climática exige um esforço coordenado entre os diferentes níveis de governo. As prefeituras têm papel muito relevante, pois são responsáveis por políticas públicas de saneamento, drenagem, mobilidade, habitação e proteção social, todas profundamente impactadas pela mudança do clima.
Ações locais são essenciais e são onde a mudança de paradigmas se concretiza, mas só ganham escala regional, nacional e global com uma coordenação macro, acesso a financiamento climático e suporte técnico.
Nesse contexto, o papel de bancos e agências de desenvolvimento é estratégico. Ao apoiar projetos urbanos que integram SBN, essas instituições não apenas fomentam a adaptação climática, como também promovem equidade social e valorizam territórios frequentemente expostos a grandes riscos.
Parques urbanos, telhados verdes, hortas comunitárias, drenagem sustentável e corredores ecológicos são infraestruturas do futuro e precisam ser tratadas como tal.
A quarta carta da presidência brasileira da COP30 à comunidade internacional, divulgada em junho, durante a Conferência do Clima da ONU em Bonn, na Alemanha, reforça essa perspectiva.
Ao propor a construção de uma agenda de ação com seis eixos temáticos, o documento apresenta um “celeiro de soluções” que conecta ambição climática a desenvolvimento socioeconômico.
Um dos eixos centrais é justamente a construção de resiliência em cidades, infraestrutura e água, com foco no fortalecimento das capacidades locais, no planejamento urbano integrado e no aumento de investimentos em soluções sustentáveis e inclusivas.
O texto também destaca a importância de avançar em temas estruturantes, como a definição de indicadores para a Meta Global de Adaptação (GGA, sigla em inglês), e defende que a adaptação ganhe centralidade nas negociações internacionais.
Esse é um ponto crucial: além de metas globais, espera-se que cada país elabore e implemente seus Planos Nacionais de Adaptação, contemplando os governos subnacionais, com recursos e condições reais para que os municípios desenvolvam e executem suas estratégias.
Mesmo que o mundo ultrapasse temporariamente o limite de 1,5°C de aquecimento traçado pelo Acordo de Paris, como indicam relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), ainda é possível evitar o colapso urbano e social. Isso exige, no entanto, ação imediata e corajosa.
O risco de crises alimentares, deslocamentos forçados, eventos extremos e perda de biodiversidade aumenta a cada ano. As consequências de um planeta mais quente não podem ser usadas como desculpa para a inação.
Com a realização da COP30 em Belém, o Brasil tem a oportunidade histórica de liderar uma agenda climática ousada, com olhar para os territórios e com base científica.
As cidades brasileiras, apesar de todos os seus desafios, ainda podem se tornar vitrines de inovação e resiliência climática.
Mas, para isso, é preciso reconhecer definitivamente a natureza como parte da solução.
Juliana Baladelli Ribeiro é bióloga, especialista em Soluções Baseadas na Natureza e gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Integra o grupo de 78 especialistas globais escolhidos pela ONU para estruturar um conjunto de indicadores de adaptação às mudanças do clima a ser seguido pelos países.
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